sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

São Bernardo

São Bernardo talvez seja o meu livro preferido, o que li e releio com mais prazer. Quando fui trabalhá-lo no ensino médio, ao tentar elaborar uma lista de questões "norteadoras" para os alunos, percebi que o livro era quase inesgotável, tantas as entradas. Nesse percurso, aprendi a gostar de Paulo Honório. É doloroso o modo deformado com que ele acaba por ver a si próprio e aos seus semelhantes. E daí também se percebe o quanto, apesar de negar, Graciliano Ramos tirou proveito das vanguardas. Também o fato de dedicar dois capítulos, supostamente perdidos, a discutir como seria a fatura do livro, é notadamente moderno ― salvo engano, enunciado e enunciação convergem mais de uma vez no percurso do texto e da leitura. Muita tinta já correu sobre esse casal ― fazendo de Madalena quase sempre um objeto que serviria aos interesses econômicos de Paulo Honório ― algumas leituras sofisticadas, outras resvalando para a vulgaridade. Mas negar a Paulo Honório um fiapo que seja de amor por Madalena não é brutalizá-los ainda mais? Pois ele claramente fez uma escolha, entre a professora lourinha e D. Marcela, vizinha de posses e filha do juiz, pronta a ser escolhida como a fêmea reprodutora (pelos atributos físicos e pela conjugação de interesses políticos e econômicos). Paulo Honório recua, se encanta por Madalena, e trata logo de trazê-la, na condição de esposa, para a fazenda, onde descobre horrorizado que não conhecia a mulher com quem apressadamente se casara. A suspeita, logo confirmada, de que Madalena era uma "intelectual" deixa-o assustado e possesso, e por mais que ambos ainda tentassem aparar as arestas (não sei, estou lembrando do enredo assim por alto), a partir daí o casamento não tinha mais salvação. Intelectual era uma condição inaceitável para uma mulher escolhida, não sem algum afeto, para ser progenitora, a mãe do herdeiro. Foi uma armadilha em que ambos caíram, ao acreditarem que com boas intenções contornam-se diferenças e edifica-se um lar. Daí o caráter trágico da obra, a confissão resignada e infeliz de Paulo Honório de que se lhes fosse dada outra chance, os mesmos erros seriam cometidos. Fatalismo? Difícil saber. O que é certo é que se trata de uma obra-prima, talvez o melhor livro que Graciliano escreveu.