Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

uma sensação nova

O mais estranho é essa sensação nova de liberdade. Eu simplesmente não me importo mais ― com o quê? Com o que a obrigação impõe importar-se. Não sei bem o que é, só sei que não tem mais importância. Minha vida foi adquirindo, ao longo dos anos e das idas e vindas, uma riqueza tão grande, que simplesmente transbordou, e se eu não escrever vou naufragar. Um amigo me disse: escreve, não importa que leiam ou não, escreve. As pessoas que me conhecem pessoalmente sabem pouco de mim: como se a cada um eu desse apenas um fragmento, a alguns mais, outros menos. Mas eu fico de fato impressionada com a facilidade com que algumas delas incorrem na "ilusão realista": com algumas poucas indicações elas supõem me conhecer. Eu rio, claro. 

Tenho um amigo, de longa data, que sempre que me encontra relembra um dito meu do nosso tempo de convívio mais estreito, antes dele se casar e eu me mudar de cidade. Eu falei algo assim: o mundo não tem lugar para ingênuos e arrependidos. Aí que ele me encontra e fala que não esquece o que eu falei, já na versão dele: o mundo não tem lugar para os fracos, ingênuos e arrependidos. Quando falei isso, eu havia acabado de levar bastante na cara, estava escaldada. Mas o curioso é que continuo pensando assim: ingênuos e arrependidos dançam, e não é conforme a música. E olha que sou ingênua. Talvez por isso continue levando na cara ― 2010 foi um primor nesse sentido ―, mas aprendi a bater também, é certo.

A uma outra amiga, recente, eu comentei o seguinte: a página de Agradecimentos da minha tese encolheu em relação à dissertação. Duas possibilidades: eu me tornei mais pessimista; eu me tornei mais exigente. O que me parece, contudo, é que eu me tornei mais livre: a césar o que é de césar, que o restante é da mariana. Não sou fraca, embora me reconheça frágil (há uma diferença sutil entre as duas coisas), e tento não me arrepender do que faço, mesmo porque sou prudente, característica que se acentuou com o tempo. Mas às vezes me arrependo de uma ou outra coisa que escrevo, pecado menor, creio, pois se eu não escrever é pior. 

Quanto à ingenuidade, só com muita precaução e reserva. Por vezes sou tão reservada que as pessoas têm uma imagem bastante infiel de mim, o que não deixa de ser curioso. Entre o que penso saber de mim e o que as pessoas pensam ao meu respeito às vezes vai a distância de um abismo. Mas não será assim com todo mundo? Conhece-se de fato alguém? Ingenuidade seria supor que sim, que é possível conhecer o outro (e talvez daí venham meus maiores equívocos). Quando a percepção se refina, é possível discernir a fronteira, às vezes nítida, às vezes nebulosa, envolvendo o outro. Como conhecer o outro se o eu titubeia em relação a si próprio? Perceber essa fronteira é justamente reconhecer que o outro escapa, assim como o eu é esquivo, e equívoco. Sem essa percepção não se pode falar em amor ou amizade.

Embora esquiva, estou aqui escrevendo, porque estar aqui é um risco que aceitei correr por pura necessidade, sobrepujando a própria timidez e reserva. Sei que isso parece um curto-circuito, um nó, uma teia. E é, também. Mas a contraparte da liberdade eu nunca havia sentido antes, e é das coisas mais primorosas que alguém pode alcançar. Exercer-se nisso, nessa liberdade, é uma dádiva que só quem muito lutou por ela poderá saber o que é.

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