Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 18 de setembro de 2011

"brainstorm"- Clarice Lispector (trecho)

“Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer. As palavras já ditas me amordaçaram a boca. O que é que uma pessoa diz a outra? Fora ‘como vai?’ Se desse a loucura da franqueza, que diriam as pessoas às outras? E o pior é o que se diria uma pessoa a si mesma, mas seria a salvação, embora a franqueza seja determinada no nível consciente, e o terror da franqueza vem da parte que tem no vastíssimo inconsciente que me liga ao mundo e à criadora inconsciência do mundo. Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria. A pior cegueira é dos que não sabem que estão cegos. Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo.”

LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.245.

Nenhum comentário:

Postar um comentário