Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 15 de outubro de 2011

Álvaro de Campos

Álvaro de Campos tem uma característica rara: condensar num verso um universo ― verso (uni)verso. O que equivale a dizer que poderiam figurar como poemas de um único verso. Numa amostra casual:

“Que mal fiz eu aos deuses todos?”

“O ter deveres, que prolixa coisa!”

“Ah, as horas indecisas em que a minha vida parece de um outro...”

“O tumulto concentrado da minha imaginação intelectual...”

“Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados...”

“Perdi a esperança como uma carteira vazia...”

“Não se preocupem comigo: também tenho a verdade.”

“Mas eu não tenho problemas; tenho só mistérios.”

Não diria o Universo... seria (um verso) impossível.
“Ó Verdade, esquece-te de mim!”
Amanheço lendo Álvaro de Campos.


Todos os versos citados de: Poesia completa de Álvaro de Campos. Org. Rita Lopes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, respectivamente páginas: 242; 233; 232; 251; 277; 286; 341; 450; 299.

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