Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 15 de outubro de 2011

A hora e vez de Augusto Matraga

Ao tomar conhecimento de uma nova adaptação para o cinema de Augusto Matraga, lembrei o quanto sempre gostei do conto e da fantástica personagem-título, e me senti estimulada a reler a história, afinal o momento é propício (os tais seis meses...). A releitura só fez confirmar a força descomunal de Augusto Matraga (conto e personagem). Três trechos, bem curtos:

“Quando chega o dia da casa cair ― que, com ou sem terremotos, é um dia de chegada infalível, ― o dono pode estar: de dentro, ou de fora. É melhor de fora. E é a só coisa que um qualquer-um está no poder de fazer. Mesmo estando de dentro, mais vale todo vestido e perto da porta da rua. Mas, Nhô Augusto, não: estava deitado na cama ― o pior lugar que há para se receber uma surpresa má.”

“Assim, quase qualquer um capiau outro, sem ser Augusto Estêves, naqueles dois contratempos teria percebido a chegada do azar, da unhaca, e passaria umas rodadas sem jogar, fazendo umas férias da vida: viagem, mudança, ou qualquer coisa ensossa, para esperar o cumprimento do ditado: ‘Cada um tem seus seis meses...’”

“E assim se passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar nem por, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não senhor.”

ROSA, João Guimarães. Sagarana. 13.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p.324-370.

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