Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 30 de outubro de 2011

Óssip Mandelstam

A CONCHA

Talvez te seja inútil minha vida,
Noite; fora do golfo universal,
Como concha sem pérola, perdida,
Me arremessaste no teu areal.

Move as ondas, como indiferente,
E cantas sem cessar sua melodia.
Mas hás de amar um dia, finalmente,
A mentira da concha sem valia.

Jazerás a seu lado pela areia
E pouco faltará para que a escondas
Nessa casula onde ela se encadeia
À sonora campânula das ondas,

E as paredes da frágil concha, pouco
A pouco, se encherão do eco da espuma,
Tal como a casa de um coração oco,
Cheio de vento, de chuva e de bruma...

CAMPOS, Augusto de. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006, p.115.

Nenhum comentário:

Postar um comentário