Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 29 de outubro de 2011

vinho

Colocaram sob a porta um anúncio anotado a mão em pedaço de folha de caderno: "Vendo presépios"  (seguido de um número de telefone). Os problemas se avolumam, o dinheiro entre eles, e eis que a fantasia do Natal, antes mesmo de entrar novembro, já está à venda. Se em vez de “Vendo presépios” viesse “Vendo Natal” talvez eu ficasse inclinada a ponderar ― afinal há Natal sem presépio, sem árvore, há Natal sem ceia. Pelo menos soaria menos vulgar, se é que há como escapar à vulgaridade quando há dinheiro envolvido, assumido no verbo vender. Os meus melhores Natais aconteceram quando eu pude me esquecer de que era Natal e me abster de seus apetrechos. Mas isso parece impossível e impensável quando, faltando ainda dois meses para a data, vêm anonimamente insinuar-se sob a porta, silenciosamente, num anúncio prévio da enxurrada bate-estaca que não deixará em paz até que amanheça 26 de dezembro e se possa dizer: Pronto, ufa! Acabou! Enquanto isso, já amassado o anúncio e remetido ao lixo, penso nas vantagens do vinho como emoliente da alma. As coisas realmente boas não precisam de propaganda.

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