Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

a paz da palavra no papel

Um blog precisa atender antes de tudo a quem nele escreve, e não deixa de ser verdade que ando me contendo, o que me faz indagar acerca das motivações de se manter um blog e todo o trabalho que isso encerra. Ocorre que meus sonhos me são muito valiosos, pistas que sigo atrás dos sentidos de (meu) existir. Quando no antigo 2º Grau (hoje Ensino Médio) declinei de seguir a área de exatas, por razões de pouca afinidade, não podia imaginar que, passados cerca de 20 anos, sonharia estar fazendo uma prova de física, impossível de tão difícil, em que tiraria zero. Pois foi isso que se passou na última noite, na arena dos sonhos. Falando com a área de exatas, é claro que não se trata de nenhuma hesitação vocacional, mesmo porque é difícil acreditar em coisas como “vocação” e sua aura religiosa. Minha atual formação coloca-me na área de letras, em interface com as ditas ciências humanas, e não poderia querer melhor. Então, se num sonho em que comparecem pessoas conhecidas vejo-me de modo cruel tentando fazer uma prova de física para além de minha capacidade, num hermetismo a toda prova e sem qualquer motivação aparente para eu estar ali sentada fazendo aquela prova imensa e justamente de física (até porque muito tempo se passou), quando caio num pranto sem consolo e aparecem monitores tentando amenizar a situação, isso só pode ser uma tradução de demandas atuais. Eu reconheço a pessoa que está no papel de professor da disciplina, sei quem é, e as coisas dobram-se em nova densidade. Estar fazendo uma prova, ou exame, também traz inquietações novas, mesmo porque a nota zero é sinal de uma reprovação absoluta, o que leva para a intransigência. Há um compromisso envolvendo a pessoa que está no papel de professor do qual tento me esquivar (e chega a ser irônico pensar que hoje me tornei professora) seguindo uma outra pessoa também conhecida, e entendo o que está em jogo, o que seria esse ir atrás desta pessoa em particular, pois não se trata, em nenhum dos casos, das pessoas, mas do que elas representam. De repente tudo é mato, apenas mato. A prova de física e as pessoas que comparecem no sonho? Estou pedindo de mim mais do que o conjunto do meu ser pode dar. O mato é o oposto do papel branco em que consta a prova de física, é signo de minhas origens e da confusão que é viver. No papel branco podem ficar registradas as provas do que alguém pensou, sentiu, viveu ou sonhou, mas essa brancura e a organização (numa prova, por exemplo) é aquilo que decantou de tudo, do mato, das sombras, das dúvidas, das lágrimas, é só uma tentativa de registro. De mais a mais, escrever prova apenas a necessidade de escrever, uma autonomia que se conquista depois de ter atravessado tantas provas escolares e outras tão ou mais ferrenhas, que não terminam nunca. 

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