Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

estrada antiga

Há uma estrada antiga que resquícios esquecidos do eu reconhecem. A estrada confunde-se com esse lado adormecido do eu ― desperto em sonho ―, dá-lhe contorno. Uma estrada antiga, da infância, nunca esquecida. Coisas, recentes, sem nexo aparente, confluindo para a estrada, num lampejo reconhecida, ainda que envolta em camadas de sonho. As coisas desconexas? Um corte indesejado de cabelo, lembrando outros cortes, tesouradas dadas por força de se proteger. Mais o quê? Estranha vizinhança, e a estrada antiga onde o eu, portando a tesoura, reconhece um corte com a infância. “Que culpa temos nós dessa planta da infância, / de sua sedução, de seu viço e constância?” (Jorge de Lima, Invenção de Orfeu).

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