Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

o papa a caminho

Dois filmes envolvendo a figura do papa, mas com perspectivas diferentes, talvez pudessem aplacar — ou quem sabe nublar de vez — a ansiedade que deve estar tomando conta das autoridades do Rio de Janeiro quanto à visita do Sumo Pontífice ao Brasil na próxima semana, mais especificamente à cidade maravilhosa, em face dos últimos acontecimentos. Um deles é Habemus Papam (2011), do consagrado Nanni Moretti, que com seu humor característico tenta humanizar o Vaticano, mediante pequenos lances dramáticos e potencialmente cômicos do cotidiano. A ideia de um papa que surta quando entrevê a efetiva responsabilidade que tem pela frente — e o próprio desfecho do filme — dão a dimensão da possível incompatibilidade entre estar à frente do comando da Igreja e conhecer efetivamente os dramas e angústias de seus fiéis, talvez nem mais tão fiéis assim. E é essa incompatibilidade, ou distância, que é explorada na comédia dramática O Banheiro do Papa (2007), uma coprodução Uruguai-Brasil-França. O caráter teatral, de encenação do exercício do papado, que Habemus Papam sugere, fica evidente na distância que o então papa João Paulo II mantém da população de Melo, pequena cidade da fronteira Brasil-Uruguai, que se preparou de todas as formas para recebê-lo, não por motivos religiosos, mas por ter visto na visita do Sumo Pontífice uma oportunidade de ganhar dinheiro com os brasileiros que acorreriam ao local, e que teriam, entre outras, a necessidade de se alimentar, por exemplo. É então que o protagonista tem a ideia de construir o banheiro — não para o papa, mas para aqueles que iriam vê-lo. O papa chega, acena, celebra sua missa e vai embora. Os brasileiros não aparecem. A proporção que tudo toma acentua o contraste entre as expectativas do lugarejo pobre, bastante pobre, e o caráter de encenação da visita do papa —  a mudança esperada não veio. E se os fiéis que o filme de Moretti encena têm seu quê de sofisticação, aqueles de Melo são fiéis às necessidades mais básicas de sobrevivência. Daí, talvez, a ideia engenhosa do protagonista, na ausência do dinheiro — e de um divã. 

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