sábado, 27 de abril de 2013
Emily Dickinson
Tão
plausível se torna
Um Sonho acalentado
Que o real para mim já é fictício –
A ficção – é real –
Que Visão suntuosa –
Que riqueza – seria –
Tivesse minha Vida sido um Erro
Corrigido – por Ti
Um Sonho acalentado
Que o real para mim já é fictício –
A ficção – é real –
Que Visão suntuosa –
Que riqueza – seria –
Tivesse minha Vida sido um Erro
Corrigido – por Ti
The Vision – pondered long –
So plausible becomes
That I esteem the Fiction – real –
The Real – fictitious seems –
How bountiful the Dream –
What Plenty – it would be –
Had all my Life but been Mistake
Just rectified – in Thee
So plausible becomes
That I esteem the Fiction – real –
The Real – fictitious seems –
How bountiful the Dream –
What Plenty – it would be –
Had all my Life but been Mistake
Just rectified – in Thee
DICKINSON,
Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2008,
p.200-201.
terça-feira, 23 de abril de 2013
Álvaro de Campos, sempre
[...]
Seremos nós neste
mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém
escreve a valer o que nós aqui traçamos?
Poesia
completa de Álvaro de Campos. Ed. Teresa Rita Lopes. São Paulo:
Companhia de Bolso, 2007, p.477.
Paulo Leminski
HIERÓGLIFO
Todas as coisas estão aí
para nos iluminar.
para nos iluminar.
Discípulo pronto,
o mestre aparece
imediatamente,
sob a forma de bicho,
sob a forma de bicho,
sob a sombra de hino,
sob o vulgo de gente
como num livro, devagar.
Mestre presente,
a gente costuma hesitar,
nem se sabe se o bicho
sente
o que sente a gente
quando para de pensar.
Paulo Leminski. Toda poesia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013, p.339.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Cecília Meireles (pela passagem do 21 de abril)
Romance LI ou Das sentenças
Já vem o peso do mundo
com suas fortes sentenças.
Sobre a mentira e a verdade
desabam as mesmas penas.
Apodrecem nas masmorras,
juntas, a culpa e a inocência.
O mar grosso irá levando,
para que ao longe se esqueçam,
as razões dos infelizes,
a franja das suas queixas,
o vestígio dos seus rastros,
a sua inútil presença.
Já vem o peso da morte,
com seus rubros cadafalsos,
com suas cordas potentes,
com seus sinistros machados,
com seus postes infamantes
para os corpos em pedaços;
já vem a Jurisprudência
interpretar cada caso,
− e o Reino está muito longe,
− e há muito ouro no cascalho,
− e a Justiça é mais severa
com os homens mais desarmados.
Já vem o peso da usura,
bem calculado e medido.
Vice-reis, governadores,
chanceleres e ministros,
por serem tão bons vassalos,
não pensam mais nos amigos:
mas há muita barra de ouro,
secretamente, a caminho;
mas há pedras, mas há gado
prestando tanto serviço
que os culpados com dinheiro
sempre escapam aos castigos.
Já vem o peso da vida,
já vem o peso do tempo:
pergunta pelos culpados
que não passarão tormentos,
e pelos nomes ocultos
dos que nunca foram presos.
Diante do sangue da forca
e dos barcos do desterro,
julga os donos da Justiça,
suas balanças e preços.
E contra seus crimes lavra
a sentença do desprezo.
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. 9.ed. São Paulo: Global, 2012, p.147-148.
movimentando-se em terreno resvaloso
Num espaço de tempo relativamente curto aconteceram tantas coisas —
coisas em demasia, excedendo o limite do narrável, do que se consegue dizer — que
mesmo o fio com a palavra pareceu se perder, e o silêncio tornou-se uma
necessidade. É ingênuo supor que a
experiência não nos ultrapassa. E nisso a palavra, essa estranha forma de
respiração, dobra-se diante do vivido, vivido que quer render a linguagem de outra forma, para que nela possam caber pombos, experiências inusitadas, canções, imagens
oníricas, poemas. “Todo abismo é navegável a barquinhos de papel” — diz o
narrador do conto “Desenredo”, de Guimarães Rosa. Em tão ilustre companhia
vai-se longe na aventura da linguagem, quer-se navegar mares impetuosos, oceanos
de sentidos velados. O que pode um corpo? O que pode o amor à linguagem, o
desejo de criar através dela? "Liberdade
completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às
voltas com a delegacia de ordem política e social, mas, nos estreitos limites a
que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer". (Graciliano Ramos, Memórias
do cárcere)