domingo, 30 de junho de 2013

Verissimo n'O Globo de hoje

ALTERNATIVA
Ao contrário da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto
LUIS FERNANDO VERISSIMO, 30/06/13

Envelhecer é chato, mas consolemo-nos: a alternativa é pior. Ninguém que eu conheça morreu e voltou para contar como é estar morto, mas o consenso geral é que existir é muito melhor do que não existir. Há dúvidas, claro. Muitos acreditam que com a morte se vai desta vida para outra melhor, inclusive mais barata, além de eterna. Só descobriremos quando chegarmos lá. Enquanto isto vamos envelhecendo com a dignidade possível, sem nenhuma vontade de experimentar a alternativa.
Mas há casos em que a alternativa para as coisas como estão é conhecida. Já passamos pela alternativa e sabemos muito bem como ela é. Por exemplo: a alternativa de um país sem políticos, ou com políticos cerceados por um poder mais alto e armado. Tivemos vinte anos desta alternativa e quem tem saudade dela precisa ser constantemente lembrado de como foi. Não havia corrupção? Havia, sim, não havia era investigação para valer. Havia prepotência, havia censura à imprensa, havia a Presidência passando de general para general sem consulta popular, repressão criminosa à divergência, uma política econômica subserviente e um “milagre” econômico enganador. Quem viveu naquele tempo lembra que as ordens do dia nos quartéis eram lidas e divulgadas como éditos papais para orientar os fiéis sobre o “pensamento militar”, que decidia nossas vidas.
Ao contrario da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. E, se para garantir que a alternativa não se repita, é preciso cuidar para não desmoralizar demais a política e os políticos, que seja. Melhor uma democracia imperfeita do que uma ordem falsa, mas incontestável. Da próxima vez que desesperar dos nossos políticos, portanto, e que alguma notícia de Brasília lhe enojar, ou você concluir que o país estaria melhor sem esses dirigentes e representantes que só representam seus interesses, e seus bolsos, respire fundo e pense na alternativa.
Sequer pensar que a alternativa seria preferível — como tem gente pensando — equivale a um suicídio cívico. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto.

Iago

“Anda, vai; adeus! Põe dinheiro em tua bolsa.
(sai Rodrigo)
Faço assim de meu bobo minha bolsa.
Seria profanar o que aprendi
Gastar meu tempo com um palerma desses
Senão pra lucro meu; odeio o Mouro,
E dizem por aí que em meus lençóis
Ele fez meu papel; não sei se é certo...
Mas, para mim, só suspeitar é o mesmo
Que certeza, no caso. Ele me estima,
O que me facilita abusar dele.”

William Shakespeare. Otelo, o mouro de Veneza. Trad. Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p.39.