sábado, 22 de março de 2014

mar – gens

Cuspi na zona de espraiamento — aquela parte mágica da praia em que se caminha molhando a pequenos intervalos os pés —, e fiquei esperando a onda que viria integrar aquela parte desprezível de mim ao suco salgado do mar.

Manuel Bandeira

A LUA

A proa reta abre no oceano
Um tumulto de espumas pampas.
Delas nascer parece a esteira
Do luar sobre as águas mansas.

O mar jaz como um céu tombado.
Ora é o céu que é um mar, onde a lua,
A só, silente louca, emerge
Das ondas-nuvens, toda nua.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.238.

sexta-feira, 21 de março de 2014

quinta-feira, 20 de março de 2014

Carlos Pena Filho

SONETO DAS DEFINIÇÕES

Não falarei das coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito
à música das cores e dos ventos.

Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.

Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. 4.ed. são Paulo: Global, 200, p.91.

terça-feira, 18 de março de 2014

Paulo Henriques Britto

Dentro da noite que construo aos poucos
para meu próprio uso, tudo é sombra
em que repouse a vista, salvo a lua
eventual, que me ilumine o espaço
que falta eliminar e meça o tempo
em que me esqueço a contemplar o tédio
que descasco e rejeito, em que dispenso
a luz do dia, excesso que não quero
ou não mereço, luxo que desprezo
sem sombra de arrependimento ou luto.
Aqui onde me resto tudo é meu
e mudo, e a noite me cai muito leve
sobre os ombros frios, como um manto, ou como
um outro pano mais definitivo.

Paulo Henriques Britto. Mínima lírica. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p.27.

domingo, 16 de março de 2014

heresia

Meu desejo de mar é maior que o de amar.

Emily Dickinson

Cirurgiões precisam ter cautela
Com sua lâmina afiada
Por sob as finas incisões se agita
A Vida – essa Culpada!


Surgeons must be very careful
When they take the knife!
Underneath their fine incisions
Stirs the Culprit  Life!

DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2008, p.240-241.