domingo, 5 de dezembro de 2010

Dora Ferreira da Silva

Rude-suave amigo

Henry Miller planando no espaço em rudes soluços:
“Sofro como um animal. Sou como um animal. Ninguém pode ajudar-me.
Ninguém é forte para tal esforço.” Anaïs a dizer-lhe
que a força é questão de ritmo. Quem não precisa
ser socorrido alguma vez? Mas é preciso humanamente
aproximar-se dos outros. “Mas tu ― Henry ― pareces incapaz
de ficar próximo de alguém.” O mesmo diálogo se repete
entre elas eles em outras latitudes, tempos diferentes.
Trabalham juntos à beira da loucura, odiados e louvados
em dias consecutivos por sucessivas pessoas ou pelas mesmas.
Gêmeos divinos que a insanidade transforma em pactuários.
Sempre ficam à margem ou no centro instável de uma
Compreensão equivocada. Entre céu e terra os ecos
inumeráveis desse diálogo. Comunhão e distância ― coisas tão diversas!
Próximos apenas da solidão comungam na missa
de todos os dias e de todos os santos.

Os cem melhores poemas brasileiros do século. Org. Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.287. 

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