As aulas de iloveyou da adolescência me fizeram escorregar
para as aulas de português e literatura que ministrei, ano passado, para os pré-adolescentes do 6º ano. Das muitas coisas, boas e
ruins, que escutei deles, havia um aluno, um tanto aéreo
(parecia constantemente estar gravitando em outra órbita), que virava
para mim e exclamava, às vezes do nada, Professora, os seus olhos brilham!, com uma voz de menino
assustado que só fui entender bem depois, quando o surpreendi às sete da manhã
chorando compulsivamente debruçado sobre a carteira. Violência doméstica, um
filme conhecido e via de regra censurado pelas próprias vítimas, em geral pelo
medo. Então eu intui o porquê da outra órbita e o olhar dirigido para o
nada daquele garoto que se esquivava do meu olhar. E que sua iniciação na vida
estava sendo brutal. Dizer que não sofri violência doméstica? Não vou dizer,
não quero estragar o post. Preservei o brilho nos olhos, ao que parece, pois são outros
olhos os que o veem. Adquiri, é certo, um horror absurdo à violência, e embora
saiba ser quase impossível esquivar-me dela, tento ao menos me esquivar do
quinhão que dela reconheço em mim. Perdi de vez a inocência quando li Genealogia da moral (sou teimosa, a vida já tinha me dado
elementos suficientes para perdê-la, a inocência), leitura que me lançou numa
prostração tal de que só consegui me erguer nas sessões de análise (sim, Freud
também escreveu sobre o mal-estar na civilização, mas Nietzsche é bem mais impiedoso, nele
as tintas da crueldade formam um painel grotesco). Meu Deus, começo falando de
inocência e termino às voltas com a violência! Será que nunca mais vai ser
possível, a inocência?
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