Numa turma de 6º ano, quando fui introduzir mitos, comecei por esboçar uma espécie de diferença entre realidade e ficção, me valendo de tudo que lembrava disso, mas usando linguagem própria. Tentava dizer que a relação com a "realidade" é, em maior ou menor grau, mediada, e com isso perpassada por algum componente de fantasia. Isso o que recordo da minha fala. Então um garotinho, que eu particularmente estimava, me interrompeu e disse: "Professora, não fala essas coisas não que eu fico nervoso" (e foi engraçado o jeito com que ele disse isso, impossível traduzir aqui na escrita). Parei na hora e olhei para ele curiosa, afinal "essas coisas" era o conteúdo que eu estava explanando. Ele disse então alguma coisa sobre sentir medo à noite, na hora de dormir, ficar agitado, nervoso, e mais outras coisas que eu achei melhor não entender. O que eu entendi, da voracidade de leitura e filmes daquela turma, é que eles estavam alimentando intensamente a imaginação com coisas que iam além da capacidade de assimilar. O imaginário infantil é delicado, mas eles vinham me contar sobre filmes que eu mesma não consigo assistir, e alguns relatavam inclusive "verem coisas". De modo que certa feita perguntei-lhes se os pais deles tinham conhecimento do que eles estavam assistindo. Tratava-se de uma espécie de hiper mediação, na falta de termo melhor. Se este post diz muito do meu tatear/hesitar ao lidar com o público infantil, na condição de professora acostumada ao ensino médio e ao terceiro grau, percebo, pelo menos, que não se apresenta uma obra, um filme, um autor para uma criança sem pensar nas consequências. As aves que hoje gorjeiam na infância não são aquelas que pontificavam na minha, no sítio de pica-pau amarelo. Talvez esta a maior dificuldade: as aves não podem ser as mesmas, pois as narrativas são outras.
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