Ninguém sabe muita coisa do outro que está fora de si, mas interpretar é praxe corrente. Todos nós somos outros, no sentido de abrigarmos outros que tentamos enfeixar na palavra eu, para maior praticidade e adequação social. A outridade. Não é possível viver em sociedade se o eu está sempre prestes a desintegrar. Pois é isso que acontece quando se tem muita ciência de ser outro. A pele negra que nunca tive uma dia falará em mim? Isso tudo é muito complexo, como se fosse uma equação matemática cujas variáveis fossem dançantes, e sofressem desproporção conforme a equação avança. Não quero falar a palavra poesia. Pois senão enveredarei para a crítica, e não é este o propósito agora. Sei que na poesia moderna essas questões estão mais do que colocadas: elas são a própria poesia. Fim do parêntese. Sentir esses outros palpitando em si, sentir-se às vezes como uma geleia, e ao mesmo tempo precisar de um eu a postos para os imperativos da sobrevivência, talvez seja o dilema da liberdade. Até onde vão os imperativos da vida, do eu, e o que sobra para essas outras forças, tão vitais quanto o alimento que se come, comprado com o suor do eu que se dispõe, manso, a trabalhar? Não há outro jeito. Quão amplos são esses ditames? Quanto de espaço sobra para o amorfo, para mirar-se no espelho cego da outridade?
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