O Rio de Janeiro está impossível. Trata-se de uma cidade que vai vencendo a pessoa no âmbito microscópico, no miúdo do cotidiano, bordejando o imponderável. Algumas coisas não funcionam, ninguém sabe explicar por quê, perde-se um tempo incrível com o caos da cidade. E como é difícil equacionar o caos, e mesmo driblá-lo, torna-se uma cidade que cansa. Os preparativos para o Carnaval deixam no ar uma espécie de fantasia coletiva, e dizer preparativos é distorcer o que se vê nas ruas: já é Carnaval. A partir de amanhã as coisas começam a funcionar de forma ainda mais morosa, as pessoas já começam a viajar, a se despedir de suas funções. Entro numa loja de variedades (um genérico das Americanas) para comprar papel A4, depois de mais um dia lutando contra o relógio, resistindo à histeria da cidade, e vejo pessoas comprando fantasias baratas para o Carnaval. Na fila do caixa, falam de coisas que parecem pertencer a um mundo por demais prosaico, ou remoto, como ingredientes para o churrasco. Então é assim a vida, seguir a função biológica da procriação e da alimentação, com alguma religião para salvaguardar o corpo dos excessos do prazer? Não consigo entregar meu corpo tão fácil assim a essas solicitações. E com isso deixo de entregar outras coisas também, coisas que chamo modestamente de espiritualidade, na falta de termo mais adequado, pois não acredito nessa separação. Todos parecem fazer a mesma coisa, cumprir o mesmo ritual. Meu olhar cansado vê tudo à distância.
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