Palavras. Ponto. Diante de mim o livro de Mário Faustino, o poema "Vida toda linguagem": "Vida toda linguagem / frase perfeita sempre, talvez verso, / geralmente sem qualquer adjetivo, / coluna sem ornamento, geralmente partida." Coluna sem ornamento, partida, mas perfeita a frase, o verso, que a diz. Não, não pode ser perfeita a linguagem da imperfeição: "Sinto que o mês presente me assassina, / As aves atuais nasceram mudas / E o tempo na verdade tem domínio / Sobre homens nus ao sul de luas curvas." Homens nus, não obstante a linguagem com que o dia nos veste e que o sonho despe, para revelar abismos informes onde eventuais lampejos acendem desejos. O tempo do dia, do relógio. O tempo da noite, ida e volta ao inonimado do existir: quem garantirá que, a cada ida, a volta é certa? Dormir é ceder a outra temporalidade, outra duração. Quem não sonha pode dizer que dormiu efetivamente? Que palavras vão traduzir os abismos da noite, do sonho? Impossível, a linguagem do dia não entende o linguajar da noite, e não sei se conseguirei (ou mesmo tentarei) ler a última obra do Joyce. Ao amanhecer, procuro em vão organizar em palavras pensamentos que tentam organizar essa outra vida que se vive-dorme todo dia, e quase sempre me escapa. As minhas palavras tentam se afastar de mim, para alcançar esse outro modo de ser, que a poesia por vezes condensa, verbo caro às tentativas de penetrar o universo do sonho.
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