domingo, 10 de julho de 2011

matéria estranha

A vida não cabe na linguagem. A vida, pressentida na inocência, era só silêncio e voragem. Todo o enigma de uma vida desdobrando-se em camadas sutis que sabem mais ao silêncio, e que ainda assim conhece a urgência da linguagem. Se os físicos foram buscar em Joyce o contorno para um dos abismos da matéria ― os quarks ― é porque abismar-se na matéria é fazer o mesmo na linguagem: a complexidade da matéria pede a complexidade que a linguagem logrou alcançar. Há rumores sobre a matéria estranha, diferente da usual, e que poderia absorver e transformar completamente esta ― como se fosse uma dimensão que não comportasse o mundo que, bem ou mal, o homem esforçou-se por esquadrinhar e lotear, embora cada tarde possa trazer a suspeita de que o homem não se habituou a existir. Mas agora há a matéria estranha. A matéria estranha não cabe no pensamento, não cabe em nada: ela é o grande nada, o fim de toda ilusão, o fim da beleza a que se deu o nome de poesia. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário