L deixou alguns barcos. Inútil pensar que foram os barcos que buscaram outros rumos. Num relance, na tarde ― tarde e noite são espaços privilegiados de irrupção do inesperado―, L manda uma mensagem aloprada de celular a quem pode ouvi-la. É ouvida. Fala coisas ininteligíveis, porque precisa. Fala em “fala roubada”, em coisas intensamente vividas, coisas que precisam encontrar ouvidos de gente. Corta para outra cena. L deixa desconcertado quem não esperava dar com ela tão de repente e não sabe o que fazer com o fato dela existir e estar simplesmente ali, parada, sozinha, diante da tarde, sem precisar de nada, sequer do olhar que lhe é dirigido. Recebe o desdém com a mesma expressão com que olha o nada. Sustenta o olhar. Seus olhos não dizem nada, e sabe que desconcerta. Vai continuar desconcertando. O que falava a mensagem? Falava ― ameaçava falar ― o que não quer calar. A conexão entre os fatos é a própria superfície com que eles se oferecem: o barco que deixou pareceu-lhe muito estreito para a largueza do que experimentou. Era o que tentava dizer a mensagem, em formulação compatível com o formato e a tarde. Está ecoando, às vezes grita, outras apenas sussurra.
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