sábado, 10 de dezembro de 2011

Álvaro de Campos: devagar

Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.

Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...

Talvez o mundo exterior tenha pressa de mais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra: devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas alguém ouviu isso a Deus?

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. Ed. Teresa Rita Lopes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p.479.

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