sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Manuel António Pina

A FERIDA

Real, real, porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste

que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.

Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado. Mas onde encontrar um passado?

Manuel António Pina. Poesia, saudade da prosa: uma antologia pessoal. Lisboa, Assírio & Alvim, 2011, p.38. 

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