O poema de Herberto Helder falava de uma palavra, para cada pessoa, intransferível, deixada virgem pela inspiração dos povos. Eu quero a palavra “orvalho”. Estava a ler isto, do mesmo Herberto: “Havia um homem que corria pelo orvalho dentro. / O orvalho da muita manhã.” Foi quando me dei conta de que moro na cidade, num apartamento situado num edifício-condomínio, cidade que me aconselha a voltar em segurança para casa, de preferência cedo, e que estas não são condições para se perceber o orvalho, nem mesmo para ele se manifestar ― tudo isso num instantâneo de pensamento, em que já lia também o outro poema e descobria a palavra "orvalho". O orvalho pede outra espécie de experiência com a noite. Migrei para antigas manhãs, noites silenciosas, o aviso para tomar cuidado com o sereno. A suprema leveza do orvalho, o frescor derramando sobre o dia findo um manto que ao espírito acalmava. Orvalho, palavra que tomei para mim.
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