quinta-feira, 15 de março de 2012

Álvaro de Campos elevou a poesia a píncaros isolados

REGRESSO AO LAR

Há quanto tempo não escrevo um soneto
Mas não importa: escrevo este agora.
Sonetos são infância, e, nesta hora,
A minha infância é só um ponto preto,

Que num imóbil e fútil trajecto
Do comboio que sou me deita fora.
E o soneto é como alguém que mora
Há dois dias em tudo que projecto.

Graças a Deus, ainda sei que há
Catorze linhas a cumprir iguais
Para a gente saber onde é que está...

Mas onde a gente está, ou eu, não sei...
Não quero saber mais de nada mais
E berdamerda para o que saberei.

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. Ed. Teresa Rita Lopes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p.487.

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