Escrever é um ato solitário, impermutável, intransferível. Escreve-se
com o corpo, com as mãos, dobrando cada palavra ao gesto de querer simplesmente
marcar, sulcar um veio no terreno de que a trama dos sentidos emana. Retomo
o comentário da Helena a propósito do poema de
Ana Hatherly: Pois é isso mesmo que a palavra é: um gesto arcaico! ― “A palavra-escrita/ é um labor arcaico:/
sulca enigmas/ venda e desvenda/ o sentido do gesto” ― A palavra-escrita torna-se um novo
substantivo: não é apenas a palavra escrita, é a palavra tornada escrita, quase
obrigada a sulcar enigmas, traçar linhas numa folha como o tempo traça rugas na
face. É a escrita que arranca a palavra de seu estado de dicionário para
obrigá-la a ser o que afinal justifica sua existência, da palavra-escrita:
gesto que liberta a garganta das constrições do tempo, que impõe bem mais que
rugas à face.
Nenhum comentário:
Postar um comentário