Não há nada mais sagrado que a
palavra. No limiar da palavra encontra-se a dúvida, que detém em espera,
expectativa e silêncio ― cada palavra uma longa, longuíssima história. No
flagrante instantâneo, presente chamado, dessa história, como se tudo tivesse evoluído
para que barata pudesse se chamar barata, depara-se com a vulgaridade da coisa
objetivada em palavras imediatas. A objetivação da coisa em coisa-palavra, cada
coisa com sua palavra-chave, chave que abre a coisa ao domínio, à posse. Mas a
coisa esquiva-se, e antes quer dominar quem a nomeia com simplicidade e ao
mesmo tempo perfeita convicção de que é senhor do domínio chamado linguagem, e de que uma barata jamais foi outra coisa senão barata. Na verdade domina. Ao homem
não basta a linguagem que nomeia as coisas, ele precisa das coisas para
afirmar-se. Nunca precisou tanto. Coisas, muitas, caras, sofisticadas,
consumidas publicamente, ou pelo menos tendo sua posse e consumo publicados,
tornados públicos. Coisas de uso privado e individual, mas ao mesmo tempo pertencendo
a uma bolsa de valores em que não faz sentido possuir a coisa se sua posse não
puder ser divulgada. Isso determina o seu valor, e o valor de quem a possui.
Quando se percebe, a palavra já está a tal ponto subordinada à coisa que a
liberdade ― palavra que nomeia algo tão intangível ― torna-se impossível.
“Liberdade ― essa palavra,/ que o sonho humano alimenta:/ que não há ninguém
que explique,/ e ninguém que não entenda!” ― dizem os belíssimos versos de
Cecília Meireles, versos que nos desconcertam ao final de Ilha das Flores, este
filme que revira pelo avesso palavras e coisas, na esperança de encontrar o
homem.
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