domingo, 19 de agosto de 2012

lobos

Ontem dormi durante o dia, o que é garantia de insônia à noite. À noite, o sono teimava em não vir, enquanto eu ia lendo trechos avulsos de Deleuze, até não poder mais. A dada altura, comecei a ouvir uma espécie de grito intermitente, desconfortável. Havia acabado de ler um trecho sobre o homem que sonha com lobos, em “Cinco proposições sobre a psicanálise”: “(...) quando o Homem dos lobos sonha com seis ou sete lobos, o que é por definição uma matilha, a saber, um certo tipo de grupo, Freud só pensa em reduzir esta multiplicidade, em reconduzir tudo a um só lobo, que será forçosamente o pai.” Qualquer que seja a riqueza sugestiva do trecho e suas implicações interpretativas, o fato é que a própria contiguidade de tudo deu-me os lobos: os gritos intermitentes que ia ouvindo, no limite do estridente, vinham da rua: tratava-se de um grupo que voltava, vindo muito lentamente e em passos errantes, e um deles gritava a intervalos curtos. Por que o fazia? A quem queriam atingir, aqueles gritos? Ou não queriam nada, apenas eco do insuportável silêncio da madrugada vazia? Nunca poderei saber. Insone ou não, a madrugada é um campo em que lobos correm uivando violentamente. Voltando a dormir, sonhei com outra espécie de lobos, mais familiares e perigosos. 

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