O JB, quando ainda circulava na versão impressa, tinha uma
coluna ― ou algo similar, pelo menos quando eu ainda lia o jornal ― intitulada
“Sábado no Rio”, que eu percorria sem grande curiosidade, mas que me ficou na
memória ― pelo menos o título. Na época, eu não podia sonhar que um dia viria
morar nesta cidade. O sábado no Rio, conforme apresentado pela simpática
coluna, era uma coisa que se passava num reino bem distante, quase em outra
galáxia. Tratava-se de uma leitura (ou leitora) pitoresca. Mas, de fato, a grande mestra disso
tudo é a memória. Eu teria me esquecido dessa coluna por completo se não
tivesse vindo morar no Rio de Janeiro e prestado atenção em seu sábado, por
outro ângulo, diga-se. O (meu) sábado no Rio tem pouco a ver com a substância
porosa que guardei da leitura da coluna antiga, e foi por contraste que a
memória trabalhou. Porque eu sei que é diferente, mas não sei explicar como nem
por quê. A memória deu contorno a uma experiência, mas essa experiência é
singular.
sábado, 30 de junho de 2012
relendo grande sertão: veredas (XXIII)
“Às vezes, pedi que ele cantasse para mim os versos, os que eu não esqueci nunca, formal, a canção de Siruiz. Adiante versos. E, quando ouvindo, eu tinha vontade de brincar com eles. Minha mãe, ela era que podia ter cantado para mim aquilo. A brandura de botar para se esquecer uma porção de coisas ― as bestas coisas em que a gente no fazer e no nem pensar vive preso, só por precisão, mas sem fidalguia.”
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.260.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
decantando o dia de hoje...
...
reserva de pousada em paraty para a 2ª semana de julho, para mim e uma amiga; saindo
de casa com atraso; documento do exame esquecido em casa; horário do exame
perdido; remarcação do exame para mais tarde; conclusão de um trabalho; envio
de e-mail de trabalho; saída para o exame; tráfego intenso na ayrton senna;
parada na etna para comprar uma estante; desistindo de vez da cama box para
comprar uma cama charmosa e bem em conta na liquidação da etna; como as coisas
vendidas nesta loja são bonitas e tentadoras; conclusão da compra da estante e
da cama; saindo em cima da hora para o barra shopping; chegada ao barra
shopping para o exame; informação de que confundi o horário do exame (que,
pelas evidências, não era mesmo para ser feito hoje); remarcação do exame para
amanhã; almoço no barra shopping; aquisição de uma agenda telefônica na
saraiva; retorno para a taquara, com quase uma hora de congestionamento e
lentidão na altura da cidade de deus (um trânsito de testar a paciência de
qualquer motorista), para resolver pendência nas casas bahia; dor de cabeça
intensa, pelo dia cheio de coisas a fazer e resolver, em especial o que
faltava; pausa para uma long neck com bolinho de bacalhau na taquara, para
refrescar o ânimo; rumo das casas bahia, para cancelar a compra da cama com
defeito; enfim, home sweet home.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
fotografia antiga
Como, em tão curto espaço de tempo, alguém
pode se sentir tão diferente? Ninguém nasce só uma vez ― nem mesmo a morte detém
a unicidade, pois é um completo mistério. Mas é como se ao longo da vida ― e deve-se sublinhar esta
palavra, vida ― fosse ocorrendo uma espécie de negociação entre vida e
morte: a cada etapa de renovação (renascimento) que uma pessoa experimenta,
alguma coisa nela morreu. E por isso, às vezes, a vaga sensação de
estranhamento, diante, por exemplo, da imagem que o espelho oferece, ou de uma
fotografia que de repente parece antiga.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
extraindo palavras do silêncio
Ontem,
em mais uma sessão de análise em que me perguntava, antes, e diante de um
trânsito congestionado e desanimador, o que iria dizer, acabei extraindo da
vontade de silêncio (diante de um analista essa vontade muitas vezes é
imperiosa) a constatação de que saí de uma situação bastante complicada
escrevendo ― o que não deixa de acordar algumas cositas neste espaço.
segunda-feira, 25 de junho de 2012
docência
Não existe ex-professor, assim como não há
ex-médico, ex-engenheiro, ex-advogado, no sentido com que usualmente se diz
“ex-professor”. O aluno pode se tornar ex-aluno, mas isso não necessariamente
remete seus professores à categoria de ex, simplesmente porque o professor,
quando foi seu professor, foi por inteiro, e o trabalho feito não se perdeu ― a não ser que o aluno nunca, de fato,
tenha sido aluno, o que dispensaria, por sua vez, de pensar em ex-aluno. A
oração “quando foi seu professor” não pressupõe esta outra,
“quando foi professor”: o professor não deixa de ser professor quando o aluno
deixa a escola ― deixa de ser aluno ―, pois o exercício de sua profissão não se restringe,
temporalmente, à vivência que o aluno teve com ela.
domingo, 24 de junho de 2012
arca de babel
Ancelmo Gois relata, em sua coluna de O Globo deste domingo, que um
diplomata definiu a Rio+20 como Torre de Noé, em virtude de parecer, pela
diversidade dos participantes, uma mistura de Torre de Babel com Arca de Noé. Trocando em miúdos: confusão a bordo da nave-discurso da sustentabilidade,
com risco de naufrágio.