quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Cacaso ("sem deixar resíduo de meu ser, peixe")

MARINHA IRREVERSÍVEL

Agora te persigo, peixe morto.
Não como esfinge oblíqua
mas como prolongamento de meu corpo.

As palavras não valem,
o tempo não conta.
Debruço-me sobre os continentes, o mais árido,
e cavo a medida exata de minha angústia.
Sobre as retinas cai a longa noite.
O sono é numeroso e horizontal.
Como o sono permanece, tento romper-te
em litúrgicas escamas, como se buscasse
a só reintegração na superfície.

A cidade pulverizada te reflete,
a ti que fazes vigília em meus olhos.
Não há saída, as portas se recusam.
Mas a vida lateja e propõe
outro costume.
Sem mais escolha e sem
deixar resíduo de meu ser,
                             peixe,
mergulho para todo o sempre
em teu condado submerso.

CACASO. Lero-lero. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p.203.

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