Tentar ser o que os outros esperam de nós, o que os
discursos esperam que cada vida-existência seja. Falava disso na última sessão
de análise, da angústia decorrente, quando disse a palavra envenenamento. Tinha
ido para a sessão bastante angustiada com minhas dores físicas ― fazendo
trocadilhos do tipo: estou cheia de dores, estou cheia da dor ― e com muito
medo de falar delas, das dores, porque poderiam se irritar e aumentar (não
aumentaram, ao contrário, passaram a incomodar menos). Foi quando saiu a questão
das expectativas, o preço que se paga por. Disse envenenamento porque lá, na
sessão, e suficientemente livre para falar, eu conseguia perceber o quão nefasto
pode ser tentar ser o que determinado espectro discursivo legitima como
existência autêntica, plena, rica de experiências. O outro é outro,
inatingível. Eu sentia muita culpa. Culpa pelas escolhas que fiz, que por
obscuros caminhos ― que eu tentava supor ― teriam desembocado nas dores físicas,
supondo também a pertinência de minhas suposições. Uma escolha nunca é
totalmente livre, porque ela passou pelo abandono de alguma coisa, o que exige
renúncia de quem escolhe, e isso a cada passo, a cada milésimo de passo, uma
vida se fazendo. Os desdobramentos de tentar atender alheias expectativas, que
acabam por compor com as próprias, podem terminar por estiolar a árvore que
cada um nasceu para ser.
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