Estava falando ontem de uma forte angústia na sessão
de análise, quando, para tentar exprimir seu efeito sobre minha vida, ou
melhor, o efeito de suas causas, disse a palavra envenenamento ― pensamento então
subjacente: o que envenena Emma são as histórias (românticas) que ela leu...
pensamento agora subjacente: vi faz umas duas semanas uma moça de pé no metrô,
comum, uma moça de suburbano coração ― a contar da linha do metrô em que estava
― lendo em pé no metrô Madame Bovary,
numa edição recente da Companhia das Letras. Lia Madame Bovary (como a outra personagem célebre lia A dama das camélias?) e, não sei se são
meus preconceitos, o fato é que a moça de pé no metrô lendo Madame Bovary a caminho do trabalho
compunha um quadro incomum, inesperado, a sugerir que não há mesmo sentido
evidente... Não que eu esperasse uma mocinha da zona sul lendo de pé Madame Bovary no metrô. Não esperava nada, e nem é disso que se trata.
Trata-se da confluência entre a cena
moça-comum-lendo-madame-bovary-de-pé-no-metrô e as angústias que levei ontem para a sessão,
acerca de um certo bovarismo com que a vida vai ganhando incerto e por vezes
complicado contorno, muitas vezes angustiante... Como escapar ao próprio
círculo vicioso da linguagem, que não me deixa falar dessa moça sem apelar para
o lugar comum? Porque é claro que eu também sou comum, e não escapo ao círculo vicioso da angústia.
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