domingo, 3 de março de 2013

geografia

Os sonhos, pelo menos os meus, funcionam como uma tradução em imagens desconexas daquilo que estou vivendo, e muitas vezes ingenuamente tentando entender. O que ficou das imagens desta noite, que é aquilo de que consigo me lembrar, poderia ser significado com a palavra pertencimento, ou o verbo, pertencer. Tudo é ou não uma questão de linguagem? Não é, a linguagem está sempre defasada, no encalço. Eu consigo me lembrar apenas da última imagem (ia dizer final, mas percebi a tempo a armadilha): estou adentrando por uma estrada que percorri na minha infância, que ia dar num lugar chamado Grota Funda, que é onde meu pai trabalhava como agricultor. Essa estrada está diferente, pois dos dois lados erguem-se espécie de choupanas que são bares, estabelecimentos comerciais noturnos, e então já é a Lapa, mas com a geografia do bizarro, e eu então me pergunto, embora isso não faça qualquer sentido, como eu não previ essa mudança no bairro há vinte anos atrás.  A pergunta pode estar se dirigindo a outras geografias, por exemplo as que percorri nos últimos vinte anos, ou, mais provavelmente, às minhas paisagens, à geografia subjetiva ― afetada, sem dúvida, pela paisagem e suas transformações. Quando finalmente adentro aquela estrada e chego, imaginariamente na Grota Funda, geograficamente na Lapa, ocorre-me então o perigo de aglomerar-me com muitas outras pessoas naquele espaço fechado à noite, e sinto medo e vontade de sair dali, e isso é já uma decisão. Há ainda uma cena, resquício da viagem recente, estou agora também no mar, mas o espaço continua fechado, e uma pessoa de minhas relações que aparenta e diz gostar muito de mim trata-me com frieza e distanciamento. Será que ela me reconheceu? Eu podia prever a transformação? 

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