sábado, 29 de junho de 2013

Graciliano Ramos: Pequena história da República (trecho)

1922
Em começo de 1920 vários municípios sertanejos da Bahia sublevaram-se. Para evitar luta, o governo contemporizou, entrou em combinações com os chefes rebeldes.
Em março ocorreram na capital federal manifestações de operários, logo abafadas severamente. 1921 principiou com agitações deste gênero: greve de trabalhadores marítimos, greves dos operários de construção. E o desassossego aumentou durante a campanha da sucessão, culminou em 1922 com demonstrações de indisciplina e revolta.
É curioso notar que isso não ficava apenas em comício, com discurso e tiro. Havia indisciplina em toda parte: nos quartéis, nas fábricas, nos atelieres, nos cafés, nos quartos de pensão onde sujeitos escrevem. E a revolta, meio indefinida, tomando aqui uma forma, ali outra, manifestava-se contra o oficial, que exige a continência, e o contra o mestre-escola, que impõe a regra. A autoridade perigava.
Afastou-se o pronome do lugar que ele sempre tinha ocupado por lei. Ausência de respeito a qualquer lei.
Com certeza seria melhor deslocar o deputado, o senador e o presidente. Como estes símbolos, porém, ainda resistissem, muito revolucionário se contentou mexendo com outros mais modestos. Não podendo suprimir a constituição, arremessou-se à gramática.

5 de julho
A eleição realizada em março de 22 foi um desastre, como de ordinário. Vencedor o candidato do governo. Pílulas. Continuação da mágica besta; a chapa entregue ao eleitor encabrestado e metido na urna, ata fabricada pelo coronel, o Congresso examinando todas as patifarias e arranjando uma conta para a personagem escolhida empossar-se.
Francamente, aquilo não tinha graça. No começo da República, ainda, ainda: mas agora estava muito visto, muito batido, não inspirava confiança. Necessário reformar tudo.
Como? Ninguém sabia direito o que viria, mas todos concordavam num ponto: não podia vir coisa pior que o que tínhamos. Muito brilho por fora: visita de reis, exposição, projetos de açudes, universidade, numerosos hóspedes ilustres. Por dentro era aquela miséria: doença, ignorância, o coronel safado a mandar, assassino e ladrão.
E alguns rapazes se levantaram, no forte de Copacabana, a 5 de julho de 1922. Mas houve defecções. O marechal Hermes, implicado no movimento, deixou-se prender. Ficaram em Copacabana dezoito doidos que afrontaram a tropa, comandados por Siqueira Campos.

O centenário
Depois disso veio o estado de sítio, com muita prisão. Em seguida fizeram-se grandes festas para solenizar o centenário da Independência.

RAMOS, Graciliano. Alexandre e outros heróis. 56.ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, p.180-182.

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