Costuma acontecer de manhã, quando já estou no ônibus
indo para o trabalho. Surpreendo-me rezando o pai-nosso, que às vezes se
prolonga numa ave-maria. É então que acontece a quebra. Não sendo mais um
gesto rotineiro, quando começo a rezar suspendo o movimento, às vezes junto com
a oração, e surpreendo em mim, diferentemente da fé, uma espécie de atavismo,
memória do tempo em que rezar era inseparável da vida — e com isso se diz tudo.
Que esse tempo era bom não há a menor dúvida. É sempre melhor ter fé do que não
tê-la. Então agora tratar-se-ia de uma necessidade da fé? Quase um paradoxo
isso, necessidade da fé, já que a fé não admite questão, e quem questiona não
consegue simplesmente manter a fé, aquela que nos mantém unidos a uma crença ou
religião. Mas não quero aqui começar a raciocinar por hipóteses, nem mesmo
tentar racionalizar o meu gesto rotineiro. Ele tem força e dinâmica próprias,
impõe-se sobre mim, memória de um tempo em que rezar era tão inquestionável
quanto Deus.
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