sábado, 22 de setembro de 2012

Nuno Júdice

METAFÍSICA

Às vezes, um verso transforma o modo como
se olha para o mundo; as coisas revelam-se
naquilo que imaginação alguma as supôs; e
o centro desloca-se de onde estava, desde
a origem, obrigando o pensamento a rodar
noutra direcção. O poema, no entanto, não
tem obrigatoriamente de dizer tudo. A sua
essência reside no fragmento de um absoluto
que algum deus levou consigo. Olho para
esse vestígio da totalidade sem ver mais
do que isso — o desperdício da antiga
perfeição — e deixo para trás o caminho
da ideia, a ambição teológica, o sonho do
infinito. De que eternidade me esqueço,
então, no fundo da estrofe?

Nuno Júdice. Por dentro do fruto a chuva. São Paulo: Escrituras, 2004, p.82.

Nenhum comentário:

Postar um comentário