sábado, 12 de maio de 2012

poesia: feroz franqueza (um esplêndido poema de José Régio)

REDENÇÃO

Meus poemas desprezaram a Beleza...
Fi-los descendo e transcendendo lodos.
(Dos lodos todos e dos poemas todos
Aqui vos falo com feroz franqueza!)

Fi-los, sentando à minha impura mesa
Quantos pecaram, por qualquer dos modos
Que há, de pecar, entre judeus ou godos...
E assim os fiz mais belos que a Beleza.

Tenho as mãos negras e os sorrisos curvos
Dos que, na sombra, beijam as raízes
Do que parece claro à luz de fora.

Vinde aos espelhos dos meus olhos turvos!
Se sois infames, fracos, e infelizes,
Neles vereis como já nasce a aurora.

José Régio: Antologia. Seleção Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p.86.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

nada em minha alma

“Nada pela minha alma um peixe abissal” (Alexei Bueno). E este peixe, porque abissal, encerra velado as cores com que já sonhei. Neste peixe eu respiro, enquanto me movimento pela água-linguagem. Somente um peixe abissal para trazer à tona o que a linguagem esconde de mim.

confiança

O bem não vem com prazo de validade.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Orides Fontela

NOTÍCIA

Não mais sabemos do barco
mas há sempre um náufrago:
um que sobrevive
ao barco e a si mesmo
para talhar na rocha
a solidão.

FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.41.

resposta sofisticada

"É apenas meu cérebro tentando me salvar de um tigre." 
Scientific American Brasil, n.120, p.51.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Orides Fontela

ESTRELA

Sobre a paisagem um ponto
de luz cósmica completa
e cena fixa
que não a encerra.

A estrela completa
a unidade em que
não habita.

FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.67.

terça-feira, 8 de maio de 2012

verso de hoje

"a voz do anjo é silêncio" - Mário Faustino

segunda-feira, 7 de maio de 2012

oração

Depois de muito tempo, senti hoje vontade de rezar ― uma forma de já estar rezando. Desejo, de algum modo, de proteção que não fosse a que eu mesma constituo em meu ser. Rezar bem pode ser um desdobramento dessa proteção  sentir-se amparado pela espiritualidade, pelo bem que se traz em si. E é claro, para mim, que a literatura desde sempre foi um sucedâneo da religião, embora eu não seja uma ovelha exemplar. Importa o sentimento do sagrado, tênue, que mesmo as palavras deixam escapar...

verso de hoje

"A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos." A.C.

João Cabral de Melo Neto

HOMENAGEM RENOVADA A MARIANNE MOORE

Cruzando desertos de frio
que a pouca poesia não ousa,
chegou ao extremo da poesia
quem caminhou, no verso, em prosa.
E então mostrou, sem pregação,
com a razão de sua obra pouca,
que a poesia não é de dentro,
que é como casa, que é de fora;
que embora se viva de dentro
se há de construir, que é uma coisa
que quem faz faz para fazer-se
― muleta para a perna coxa.

MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p.250. 

relendo grande sertão: veredas (XXI)

“E grande aviso, naquele dia, eu tinha recebido; mas menos do que ouvi, real, do que eu tinha de certo modo adivinhado. De que valeu? Aviso. Eu acho que, quase toda vez que ele vem, não é para se evitar o castigo, mas só para se ter consolo legal, depois que o castigo passou e veio. Aviso? Rompe, ferro!”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.194-195.

relendo grande sertão: veredas (XX)

“Ações? O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensante. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo.”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.194.