A literatura tem uma força de iniciação na vida que
não pode ser subestimada. Ela age em camadas nem sempre disponíveis ao estoque
consciente de conexões possíveis. Esta noite eu sonhei com o conto “Lacuna”, de
que falei ontem antes de dormir. Sei que o sonho foi deflagrado pelo
enredo que as imagens do sonho acabaram por assumir, quem sabe sugeridas, em nível
consciente, pelo próprio conto. E daí? Daí que fiquei sabendo um pouco mais
sobre culpa, a minha.
Graciliano
Ramos é-nos obrigatório. Infância, um
livro magnífico. “Leitura”, um capítulo primoroso ― porque dificilmente alguém
torna-se o que é à toa...
“Julgo
que estive meio louco. E amparei-me ansioso às figurinhas de sonho que me
atenuavam a solidão.”
Graciliano
Ramos. Infância. Rio de Janeiro:
Record, 1995, p.98.
Neste fim de dia, de rotina, de fechamento do ciclo da semana de trabalho, alguma coisa nova, como uma fronteira, se desenha. Se,
como quer Moacyr Scliar neste conto, há uma lacuna entre palavra e vida,
isso não precisa ser uma advertência à palavra, mas pode ser um senão à vida. Se não é possível saber onde termina uma e onde começa a outra ― desconfio mesmo que
são a mesma coisa ―, a verdade é que se tem pouco com que dar conta da imensidão
da vida. Palavras traem. Mas e o silêncio, não seria mais traiçoeiro?
A rudeza do mundo apara as arestas, suaviza os
movimentos. Fernando Pessoa me consola do que em mim é lamento. Qualquer verso
desse homem parece ser maior que a sombra que faz o sofrimento: