O forte calor que está fazendo há dias faz pensar
na atualidade de um livro de 1981, de Inácio de Loyola Brandão, “Não verás país nenhum”, cujo título altera substancialmente o sentido do conhecido verso de
Olavo Bilac, “Não verás país nenhum como este.” O tom laudatório cede à imagem
apocalíptica de uma terra devastada: não verás país nenhum. E, de fato, alguém
está vendo alguma coisa, algum país (nação) a que se sente efetivamente
pertencendo? Não, a não ser que consiga chamar de nação uma geografia hostil.
sábado, 8 de fevereiro de 2014
Emily Dickinson
Púrpura
– é moda duas vezes –
Nesta época do ano
E quando uma alma se percebe
Como Soberana.
Purple – is fashionable
twice –
This season of the year,
And when a soul perceives
itself
To be an Emperor.
DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira.
São Paulo: Iluminuras, 2008, p.118-119.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Sebastião Uchoa Leite
INSÔNIA RESPIRATÓRIA
Antes nunca
Ouvira o invisível poema
Do respirar: não
Ouvia nada
Só o silêncio dos órgãos
Mas o segredo da vida
Era isso
Quando ninguém
Se lembra do corpo
Que de fato
É feito da mesma matéria
Do sono
LEITE, Sebastião Uchoa. A uma incógnita. São Paulo: Iluminuras,
2008, p.38.
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Sebastião Uchoa Leite
DUAS OU TRÊS COISAS
É ríspida
Respira o ar amargo
Arisca
Secreta
Nada fala
Xiita do oculto
Tal Emily Dickinson
Dura e pura
Ou insônia crítica
Da língua irônica
LEITE, Sebastião Uchoa. A uma incógnita. São Paulo: Iluminuras,
2008, p.52.
Sebastião Uchoa Leite
FOCOS
Poesia é a sombra
Em guarda atrás de alguém
Ou na frente
Abrindo o caminho
Diminui ou alonga o vulto
Conforme o foco solar
Abre-se ou estreita-se
No jogo hiperrealista
Entre o eu e a margem
LEITE, Sebastião Uchoa. A uma incógnita. São Paulo: Iluminuras,
2008, p.22.
domingo, 2 de fevereiro de 2014
sobre a beatitude (Clarice Lispector)
“A
beatitude começa no momento em que o ato de pensar liberou-se da necessidade da
forma. A beatitude começa no momento em que o pensar-sentir ultrapassou a
necessidade de pensar do autor — este não precisa mais pensar e encontra-se
agora perto da grandeza do nada. Poderia dizer do ‘tudo'. Mas ‘tudo’ é
quantidade, e quantidade tem limite no seu próprio começo. A verdadeira
incomensurabilidade é o nada, que não tem barreiras e é onde uma pessoa pode
espraiar seu pensar-sentir.”
Clarice
Lispector. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p.90.
