eu!?

Tenho momentos de extrema fragilidade, em que parece que vou desintegrar, que o eu que construí para uso externo e contínuo vai ceder à emergência de forças disciplinarmente mantidas sob controle, sob vigilância atenta. Entrevejo outros eus, passados e presentes, e pressinto que a casca frágil da superfície pode facilmente rebentar. Meus recursos nesses momentos? Escrever, por exemplo. Outros são de foro íntimo.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Murilo Mendes

JUÍZO FINAL DOS OLHOS

Teus olhos vão ser julgados
Com clemência bem menor
Do que o resto do teu corpo.
Teus olhos pousaram demais
Nos seios e nos quadris,
Eles pousaram de menos
Nos outros olhos que existem
Aqui neste mundo de Deus.
Eles pousaram bem pouco
Nas mãos dos pobres daqui
E nos corpos dos doentes.
Teus olhos irão sofrer
Mais que o resto do teu corpo:
Eles não poderão ver
As criaturas mais puras
Que no outro mundo se vê.

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.205.

poesia

“Devo aos poetas de todos os tempos a sobrevivência de minha alma. [...] A Baudelaire, em cujo túmulo depositei uma rosa, a fulgurância do raciocínio, a elegância corrosiva de seu sentimento trágico; a Shakespeare, a iniciação a todas formas humanas [...]. A Pablo Picasso, a reacomodação do nervo óptico.”

Paulo Mendes Campos. Cisne de feltro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.18.

Paulo Henriques Britto: "Nem tudo que fui se aproveita"

QUEIMA DE ARQUIVO

Houve um tempo em que eu amava
em cada corpo o reflexo
do que eu queria ter sido.
No fundo do sexo eu buscava
o meu desejo perdido.

Acabei achando o outro
que em mim mesmo destruí.
Foi fácil reconhecê-lo:
de tudo que vi em seu rosto
somente o ódio era belo.

Esse morto adolescente
implacável e virginal
não me perdoa a desfeita.
Não faz mal. Eu sigo em frente.
Nem tudo que fui se aproveita. 

Paulo Henriques Britto. Mínima lírica. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p.80.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

páscoa

Tive uma páscoa maravilhosa, sem precisar de chocolate — e sem precisar lembrar que era páscoa.