Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 24 de agosto de 2013
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Manuel Bandeira
O MARTELO
As rodas rangem na curva dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu naufrágio
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei.
Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como arrulho de pomba.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu naufrágio
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei.
Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como arrulho de pomba.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida
inteira. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.168.
amizade
Não consigo escrever “abs” para abreviar “abraço” na
despedida de e-mails. Não sei, mas é como se estivesse abreviando o afeto.
terça-feira, 20 de agosto de 2013
entre a potência e a vertigem
Há um limiar da potência da vida, uma fronteira que
causa vertigem. Ninguém é o que é gratuitamente. Entre a potência e a vertigem,
negocia-se a paz possível, e muitas vezes o recuo cauteloso. Quando se tem o controle...
texto inspirado nesta imagem:
domingo, 18 de agosto de 2013
João Cabral de Melo Neto
O OVO PODRE
Por que a expressão do que não houve
não chega à força do ovo podre?
Há muitos podres pelo mundo,
muitos decerto mais imundos.
O podre do ovo está contido
para a maioria dos sentidos
e à vista não há diferença
entre sua saúde e sua doença.
Por que é que o ovo podre, então,
parece pesar mais na mão?
Será que pesa mais o real
quando em defunto, em pantanal?
Por que a expressão do que não houve
não chega à força do ovo podre?
Há muitos podres pelo mundo,
muitos decerto mais imundos.
O podre do ovo está contido
para a maioria dos sentidos
e à vista não há diferença
entre sua saúde e sua doença.
Por que é que o ovo podre, então,
parece pesar mais na mão?
Será que pesa mais o real
quando em defunto, em pantanal?
MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1997, p.271.
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