Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

leveza

E se o meu ser pudesse se repartir a cada momento, como se não houvesse um único eu? Os momentos sucedendo-se não linearmente, uma espécie de bifurcação contínua da vida. Haveria essa coisa chamada tempo? Este constante instante existe, mas parece que uma única possibilidade é trilhada, fazendo da vida uma linha imaginária e perceptível pela memória. Mas e se por exemplo agora, quando a inquietação me invade, eu conseguisse, ainda que com os andrajos rotos do eu que reconheço como eu, eu conseguisse ir na direção da desintegração do átomo do eu? A noite ficaria mais leve. Uma justificativa para se contar / ler histórias antes de dormir: diminuir a densidade do eu, para que ele consiga flutuar nas águas do sono.

Claro!? Clarice.

"Angústia pode ser o desamparo de estar vivo."

Emily Dickinson

Uma noção de coisa finda
Nas Covas é captada
Um não ligar para o Futuro
Um Ermo de Medida.

Ao exibir-se audaz a Morte
O que a rigor nós somos
E a nossa serventia Eterna
Afinal inferimos.


There is a finished feeling
Experienced at Graves -
A leisure of the Future -
A Wilderness of Size.

By Death's bold Exhibition
Preciser what we are
And the Eternal function
Enabled to infer.

DICKINSON, Emily. A branca voz da solidão. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2011, p.138-139.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Fernando Pessoa

Agita as árvores um vento
Sob o plácido azul do céu,
O que agita meu pensamento
É que hoje deixo de ser meu.

Fernando Pessoa. Poesia 1931-1935. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, p.74.