Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 26 de janeiro de 2013

viajo porque preciso...

Mesmo não sendo o homem do futuro, viajamos no tempo. Basta frequentar o cinema. Zapeando os canais, detive-me na parte final do belo filme de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo. Uma viagem para fora de si mesmo e para trás, no tempo, para um vilarejo prestes a desparecer no interior do sertão nordestino, em virtude da construção de um açude.
Quase estava esquecendo o assunto quando deparei-me com uma reportagem falando dos escombros e ruínas da cidade emersos em virtude da estiagem. É muita coincidência o município de Piranhas Velhas (PB) aparecer-me duas vezes no mesmo dia, na crueza da ficção e na mesma crueza da realidade. Uma das cenas finais do filme é a incursão por uma das construções prestes a desaparecer (o açude data de 1936), em que constam os seguintes dizeres: HOMENAGEM DO POVO DO SÉCULO XIX AO POVO DO SÉCULO XX, que não percebeu a sutileza da homenagem.
No filme, paisagens e amores são deixados para trás (luta-se para deixá-los), enquanto paradoxalmente o passado se faz mais presente, num aceno leve e irônico para o futuro. Fica para trás sobretudo o eu que habitou as paisagens desaparecidas (inclusive as interiores), porque não há como separá-lo delas, de uma geografia. Enquanto isso viaja-se no tempo, passado e futuro construindo um intrincado onde, enquanto a personagem busca renovar sua vida, um fundo de ironia insiste em acenar do passado. Não há homem do futuro, mas talvez possa haver homem do passado, resgatado na delicadeza do traço imagético do filme. A homenagem é ao passado que resistiu, não ao futuro que o destruiu.

Mário Quintana

INCOMUNICABILIDADE

Querer que alguém seja sensível ao nosso mundo íntimo é o mesmo que estar sentindo um zumbido no ouvido e pensar que o nosso vizinho de ônibus o possa escutar.

Mário Quintana. A vaca e o hipogrifo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p.89. 


P.S. Seria antes um pré-escrito. Li este fragmento quando havia acabado de entrar no transporte coletivo. De uma forma ou de outra, tem a ver com o post anterior.

armadilhas

Na semana que ora finda uma amiga veio conversar comigo, em tom de conselho, sobre a imagem que decantou de mim após certo episódio. Claro que percebi a armadilha. Eu disse a ela que minha imagem já tinha passado por coisas bem mais complicadas, e que nada disso impediu que eu chegasse onde cheguei. Pelo contrário, até ajudou, porque me mexi, segui adiante. A armadilha em que minha amiga caiu, e na qual queria me enredar, foi achar que o problema dela também podia ser um problema meu: preservar a qualquer custo uma imagem: a que cada um acredita ser sua. Foi isso o que a colega me disse, em tom de conselho. Ela me mediu por ela.

sábado no rio: laranjeiras

Sempre muito bom encontrar minha amiga Maria Fernanda.

"... um amor que eu tive e vi pelo espelho na distância se perder"

Cantarolei assim hoje: e vi pelo espelho da distância se perder, sem perder de vista a cena final deste filme; basta ter rodado um pouco por aí para saber. 

fratura exposta

O espírito do grande irmão é a fratura exposta da fratria.

wagner moura homenageando renato russo no filme vip's


aqui "será" me performance rara. 
pode ser viagem minha, mas renato russo falava de amor em estado de graça.

Mário Quintana

DA SOLIDÃO

O problema da solidão não consiste em saber como solucioná-la, mas em saber como conservá-la.

Mário Quintana. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p.657.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

sabedoria, uma amiga pra se ter por perto

fragilidade

Fragilidade é assim: você entra numa farmácia para comprar uma medicação e, encontrado o remédio, resolve conferir outras coisas, perfumaria lato sensu. Aí se depara com um objeto, uma escova de cabelo com espelho no verso, que você ganhou, menina, quando fez sete anos, de seu pai. Pai, espelho, verso. Espelho, verso, pai. Sem remédio. Quem sabe porque eu passei boa parte da vida no verso do espelho. Meu feminino dilacerado pela dúvida.

que o dia hoje amanheceu muito bonito

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

podres poderes (canção e anagrama certeiros de caetano veloso)


imagem daqui

Maria Carpi (poema acidentalmente lido na tarde azul)

O desejo do corpo
no corpo, é diáfano
fogo que a água consome.
O desejo do corpo
na alma, é espesso
rosto que a água carrega.

O desejo da alma
na alma, gota
que o fogo retira do mar.
O desejo da alma
no Corpo, labareda
que a água conduz
ao refrigério
da ardente Árvore.

[Revista Poesia Sempre.  Rio de Janeiro, ano 2, n.3, fev. 1994, p.160] 

A tarde talvez fosse azul, / não houvesse tantos desejos.” Quem se lembrou da tarde azul de Drummond no meio da tarde fui eu, depois de ler o inquietante poema de Maria Capri e sair para dar uma volta na Cinelândia, em busca de um sorvete e algumas outras promessas, enquanto esperava o horário da consulta médica. O sorvete eu estava querendo desde cedo. Já o poema veio parar em minhas mãos sem qualquer cálculo, e me fazia compreender que não era tão simples assim equacionar o que estava sentindo. Já pela manhã, na aula de natação, eu havia notado o belo azul do céu, permeado pelo delicado e suave reticulado das nuvens. Um dia intenso.

é de sonho e de pó /o destino de um só

duas máximas (ou mínimas) para situações de interlocução rarefeita

“Nada a declarar.”
“Fale ao motorista somente o indispensável.”

vitor ramil e ney matogrosso

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Alvaro de Campos (a expressão precisa)

No fim de tudo dormir.
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser...,
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. Ed. Teresa Rita Lopes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p.391.

ir, prosseguir, seguir a própria intuição

Hoje, na habitual caminhada, a vontade de ser Forrest Gump.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

"Sou o dono de tesouros perdidos no fundo do mar." Mário Quintana

Súbito a saudade de tesouros perdidos, e que eu não percebi como tesouros quando os perdia, entrevendo apenas que alguma coisa se ia. O inexorável movimento do mundo, o adeus a cada passo.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Mário Quintana

O POEMA

O poema
essa estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face...

Mário Quintana. A cor do invisível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p.31.

nada será como antes amanhã ... num domingo qualquer qualquer hora

Mário Quintana: terceiras intenções (ou a fratria em perigo)

INTENÇÕES

Os que andam com segundas intenções não conseguem enganar ninguém. Está na cara... O perigo mesmo ― porque é invisível ― está nos que têm terceiras intenções.

Mário Quintana. A vaca e o hipogrifo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p.48