Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Gaza

 

Poeta, tradutor, ensaísta, professor e atual diretor da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) 

domingo, 19 de novembro de 2023

morte

Se tivesse morrido até a última quarta-feira, morreria ignorando que existe no mundo uma cantora pop chamada Taylor Swift. Sua passagem pelo Brasil deixou dois fãs mortos. Uma fã, Ana Benevides, morreu de desidratação, ao que tudo indica. Ana era da cidade de Sonora, interior do estado de Mato Grosso do Sul. Essa morte tem tantas camadas de capitalismo que é difícil assimilar. A morte precisa ser respeitada, para que a vida o seja. Ela, a morte, tem me rondado. Mas algumas coisas me empurram a continuar. A arte, as cores, a fotografia, a sonoridade e a poesia das canções, como esta, interpretada por dois lindos que já se foram. Fada canção.

CLARICE E MANUEL

― você também veio pra aqui...
― sim, caí como letra viva na página em branco ― e abri a porta.

poesia

 A poesia é feita com as sobras da vida. Não serve pra nada. Mas, sem ela, as sobras se acumulam.

CONVIVO MUITO BEM COM OS CÃES DA RUA - RICARDO ALEIXO

Convivo muito bem com os cães da rua. 

Me apraz o velho e bom modo de vida 

que os faz, sem ter do que cuidar na vida, 

medir distâncias de uma a outra rua. 

 

Comparto com os cães o ar da rua. 

Se um deles me dirige um riso cardo, 

como quem dissesse “E aí, Ricardo?”, 

respondo-lhe: “Olá, irmão!”. E a rua, 

 

que até há pouco era só mais uma rua 

por onde vadiavam um cão e um bardo 

(cada um caçando, do seu jeito, a vida), 

 
me obriga a distinguir, nela, o que é vida 

real do que será, quem sabe, um tardo 

sinal do quão são irreais o cão e a rua. 


ALEIXO, Ricardo. Pesado demais para a ventania: antologia poética. São Paulo: Todavia, 2018, p.149.