Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
segunda-feira, 20 de novembro de 2023
domingo, 19 de novembro de 2023
morte
CLARICE E MANUEL
― você também veio pra aqui...
― sim, caí como letra viva na página em branco ― e abri a porta.
poesia
CONVIVO MUITO BEM COM OS CÃES DA RUA - RICARDO ALEIXO
Convivo muito bem com os cães da rua.
Me apraz o velho e bom modo de vida
que os faz, sem ter do que cuidar na vida,
medir distâncias de uma a outra rua.
Comparto com os cães o ar da rua.
Se um deles me dirige um riso cardo,
como quem dissesse “E aí, Ricardo?”,
respondo-lhe: “Olá, irmão!”. E a rua,
que até há pouco era só mais uma rua
por onde vadiavam um cão e um bardo
(cada um caçando, do seu jeito, a vida),
me obriga a distinguir, nela, o que é vida
real do que será, quem sabe, um tardo
sinal do quão são irreais o cão e a rua.