Há coisas fáceis de abandonar: um blog, uma conta em
rede social, uma roupa usada, um livro, até mesmo uma profissão. Uma pessoa
pode abandonar também suas convicções, quando estas se mostram inúteis ou
perdem a relevância. É possível abandonar pessoas — vale dizer, afetos — em
relações de diferentes matizes, quando essas pessoas ou relações já não nos
dizem nada, ou fazem mal. Mas será possível abandonar um ódio profundo, mortal?
A fé em um deus pode ser abandonada sem consequências? Dito de outra forma: o
ódio, a fé podem ser mais fortes que o desejo de abandoná-los? Se sim, na
verdade são eles que não nos abandonam.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 4 de abril de 2015
domingo, 29 de março de 2015
Herberto Helder
A poesia
também pode ser isso:
a dor com
que não durmo lavrado completamente
íngremes
laborações dos aerólitos — e então um pingo de ouro nos
recessos
do cérebro. Que
fosse a aparição contínua. Pode ser o inventário do
sono pode
no casulo
desdobrado quando a seda.
(...)
Herberto Helder. Ou o poema contínuo. São Paulo: A
Girafa, 2006, p.457.
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