Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
via crucis
“Mas a
gente está perdida de qualquer jeito. Não há escapatória. Todos nós sofremos de
neurose de guerra.”
Clarice
Lispector. A via crucis do corpo. Rio
de Janeiro: Rocco, 1998, p.50.
terça-feira, 26 de novembro de 2013
três letras
Lar é uma palavra que agasalha a alma — não: agasalha
o corpo, que sente essa bem-aventurança como se fosse uma oferta para a alma. E
quando, à noite, o último momento da consciência do dia começa a ceder ao
universo do sono e da noite e o corpo já se encontra agasalhado na cama, então a
palavra lar ganha toda espessura e conforto que suas três letras mal adivinham comportar.
domingo, 24 de novembro de 2013
"O homem atropela o que é mais frágil que ele"
"Por que escolhi a delicadeza
como parte essencial da condição humana? Por não ser uma qualidade intrínseca
do humano. Isso é justamente o que a faz necessária. A delicadeza não é causa
de nossa humanidade, é efeito dela. Não é meio, é finalidade. O homem não é
necessariamente delicado ― daí a urgência de se preservar, na vida
social, as condições para a vigência de alguma delicadeza. Erramos ao
chamar os atos que nos repugnam de desumanos. O homem, não o
animal, usa de violência contra seu semelhante. O homem inventou o prazer da
crueldade: o animal só mata para sobreviver. O homem destrói o que
ama ― pessoas, coisas, lugares, lembranças. Se perguntarem a um homem
por que razão ele se permitiu abusar de seu semelhante indefeso, ele dirá: eu
fiz porque nada me impediu de fazer. O abuso da força é um gozo ao qual
poucos renunciam. Além disso, o homem é capaz de indiferença, essa forma
silenciosa e obscena de brutalidade. O homem atropela o que é mais frágil que
ele ― por pressa, avidez, sofreguidão, rivalidade ―, sem
perceber que com isso atropela também a si mesmo.”
KEHL, Maria Rita. Delicadeza. In: NOVAES, Adauto (Org.). A
condição humana: as aventuras do homem em tempos de mutações. Rio de
Janeiro: Agir; São Paulo: Edições SESC, 2009, p. 453-454.
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