“Acho que temos que cultivar o respeito por essa busca, o
respeito também pela angústia que ela nos oferece à convivência, nesse diário
não saber o que queremos, o que precisamos, o que nos dá identidade... Travessias, como diria...”
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
sábado, 1 de setembro de 2012
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Orides Fontela (quisera uma cicatriz não indelével)
MEMÓRIA
A cicatriz, talvez
não indelével
o sangue
agora estigma.
FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify:
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.306.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Herberto Helder: "então é preciso outra maneira de poema"
Esta
ciência selvagem de investigar a força
por
dentro dos olhos:
a
treva parada numa parte: do outro faiscando
todos
os astros:
as
obturações as
aberturas
na carne: não sei ver nos livros a aparição do rosto
todo
cercado por uma casa:
não
conheço quando nasce a ribeira no meio:
quando
nasce quando
a
ribeira de uma montanha
no
meio brilhante:
a
maldade da linguagem se o cinema mostra
as
janelas das paisagens:
e
essa forma repleta de passos para indagar:
e
então é preciso outra maneira de poema: uma
espécie
furiosa de pessoa comentando
com
muito pormenor:
cabeças
cheias de raiva e murmúrios no escuro:
a
intensidade dos cabelos em volta dos cornos: e logo o poema
traz
as coisas para o quarto: coloca
tudo
mais perto do centro:
vê-se
a teia que vai da fronte às coxas com os braços reluzentes
por
cima
e
no meio um remoinho cego:
o
sexo: a estrela
tumefacta:
esta
ciência é um movimento das mãos contra o espelho:
a
parte de trás da cabeça onde vibra o meteoro: é
a
onda aproximada: uma porta na sala
que
fecha de estrela a estrela:
apenas
o sangue e a testa um pouco louca entre os dedos:
copo
de mármore:
planeta
de aço:
uma
flor rija ascencional com os pulmões chamejando
na
terra:
essa
velocidade que há na noite de lado a lado:
e
a testa fervente abismada no mundo: e os polos
do
corpo:
clareira
cerrada
à volta: esse modo secreto de tudo mexer
com
uma finura viva:
não
sei que dedos no estilo para queimar a cara forte
paralisada:
a combustão
dentro
da fotografia: a sibilante cara:
a
cara:
e
a maneira sagaz de trazer cada coisa até à própria labareda:
as
mãos enxutas muito abertas: o
medo
sem um só grito
em
frente da noite cosida: camisa
redonda:
e este saber
que
vê passar os animais fundos e claros e tem
a
sua loucura para alimento:
e
a casa
para
morrer e falar durante o sono e andar
de
um canto para outro
com
os dedos aluminando limpamente: o circuito magnético entre as têmporas:
a
raiz da ciência desde os pés até os olhos
Herberto Helder. Ou o
poema contínuo. São Paulo: A Girafa, 2006, p.307-309.
cruzada (renato braz e boca livre)
Ontem tive o prazer de reencontrar esta canção, de memória antiga e adormecida. Conhecia-a na voz de Beto Guedes. Com Renato Braz e Boca Livre ficou divina. E quem inspiração foi essa, dos compositores (Tavinho Moura e Márcio Borges)? "Você parece comigo, nenhum senhor te acompanha. Você também se dá um beijo dá abrigo". Belíssimo cruzamento de referências histórico-políticas e pessoais-subjetivas. No limite, afetivas: "Não quero ter mais sangue morto nas veias".
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
terça-feira, 28 de agosto de 2012
luta
Lutar é,
antes de tudo, lutar por falar. Não é só lutar com as palavras. É lutar para
chegar, pela palavra em curso, a si mesmo.
Fernando Pessoa
SONO
Tenho tal sono que pensar é um
mal.
Tenho sono. Dormir é ser igual,
No homem, ao despertar do animal.
Tenho sono. Dormir é ser igual,
No homem, ao despertar do animal.
É viver fundo nesse inconsciente
Com que à tona da vida o animal sente.
É ser meu ser profundo alheiamente.
Com que à tona da vida o animal sente.
É ser meu ser profundo alheiamente.
Tenho sono talvez porque toquei
Onde sinto o animal que abandonei,
E o sono é uma lembrança que encontrei.
Onde sinto o animal que abandonei,
E o sono é uma lembrança que encontrei.
Fernando Pessoa. Poesia: 1931-1935. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009, p.213.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Orides Fontela
CARTILHA
Foi de poesia
lição
primeira:
“a arara morreu
na
aroeira”.
FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify:
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.279.
transformação (mas não a de kafka)
Sonhar
com fogo é sonhar com transformação? Esta foi a via que me dei para
as imagens desta noite. Além do fogo, havia uma gravidez, minha; pessoas
conhecidas, em parte atualmente distantes, compareciam e interagiam, prontificando-se
a ajudar a resolver os conflitos que iam surgindo; e creio que havia um antes,
que me veio num flash de segundo, um pequeno relâmpago que desapareceu tão
rápido quanto surgiu, do qual apenas consegui saber isso: era um antes.
domingo, 26 de agosto de 2012
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