Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


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segunda-feira, 11 de julho de 2011

o ponto onde começa o silêncio: marguerite duras

Nas histórias de meus livros que remetem à minha infância, de repente não sei mais o que evitei dizer, o que disse, acho que falei do amor que sentíamos por nossa mãe, mas não sei se falei do ódio que também sentíamos por ela e o amor que sentíamos uns pelos outros, e o ódio também, terrível, nessa história de ruína e morte que era a dessa família em qualquer caso, de amor ou de ódio, e que ainda não consigo entender plenamente, ainda me é inacessível, oculta no mais fundo de minha carne, cega como um recém-nascido no primeiro dia de vida. Ela é o ponto onde começa o silêncio. O que acontece é justamente o silêncio, essa lenta labuta durante toda a minha vida. Ainda estou lá, diante daquelas crianças possessas, à mesma distância do mistério. Nunca escrevi, e pensei que escrevia, nunca amei, e pensei que amava, nunca fiz nada a não ser esperar diante da porta fechada.”

DURAS, Marguerite. O amante. Trad.Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p.23. 

quinta-feira, 31 de março de 2011

mulheres

“Eu poderia me iludir, acreditar que sou bela como as belas mulheres, como as mulheres olhadas, porque realmente me olham muito. Mas sei que não é uma questão de beleza, e sim de outra coisa, por exemplo, sim, outra coisa, por exemplo espírito.”

“Sei que não são as roupas que tornam as mulheres mais ou menos belas, nem os cuidados de beleza, nem o preço dos cremes, nem a raridade, o valor dos adornos. Sei que o problema está em outro lugar. Não sei onde. Só sei que não é onde as mulheres pensam que está.”

“Essa omissão das mulheres em relação a si mesmas, praticada por elas mesmas, sempre me pareceu um erro.”

DURAS, Marguerite. O amante. Trad.Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p.18-19. 

quinta-feira, 24 de março de 2011

escrita

"Respondi que o que mais queria, acima de qualquer outra coisa, era escrever, só isso, nada mais."

DURAS, Marguerite. O amante. Trad.Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p.21. 

escrita (por Marguerite Duras)

"A história da minha vida não existe. Ela não existe. Nunca há um centro. Nem caminho, nem linha. Há vastos lugares em que é de se crer que houvesse alguém, não é possível que não houvesse ninguém. A história de uma minúscula parte de minha juventude, já a escrevi mais ou menos, enfim, quero dizer, dei-a a perceber; falo justamente desta parte, a da travessia do rio. O que faço aqui é diferente, e parecido. Antes, falei dos períodos claros, dos que estavam esclarecidos. Aqui falo dos períodos encobertos dessa mesma juventude, de certos fatos, certos sentimentos, certos acontecimentos que enterrei. Comecei a escrever num meio que me impelia fortemente ao pudor. Escrever para eles ainda era moral. Escrever, agora, é muitas vezes como se não fosse mais nada. Às vezes sei disto: que a partir do momento em que não é mais, todas as coisas confundidas, ir ao sabor da vaidade e do vento, escrever não é nada. Que a partir do momento em que não é, a cada vez, todas as coisas confundidas numa só por essência indefinível, escrever não é nada senão publicidade. Mas na maioria das vezes não tenho opinião, vejo que todos os campos estão abertos, que não haveria mais muros, que a escrita não teria mais onde se esconder, onde ser feita, onde ser lida, que sua inconveniência fundamental não seria mais respeitada, mas não vou muito além."

DURAS, Marguerite. O amante. Trad.Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p.12