Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 10 de dezembro de 2011

Álvaro de Campos: devagar

Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.

Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...

Talvez o mundo exterior tenha pressa de mais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra: devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas alguém ouviu isso a Deus?

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. Ed. Teresa Rita Lopes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p.479.

vil e infame

"Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?"

perfumaria

Precisei jogar um tomate meio estragado fora ― um filme conhecido. Mas pelo menos não me ocupo com perfumaria.

força

Ainda sobre a bondade, ocorreu-me depois que ela precisa vir acompanhada de alguma espécie de força, força aqui equivalendo à ausência de medo. Não pode haver bondade na fraqueza, porque esta faz par com o medo, e o medo está na origem das piores vilanias que o homem pode conhecer: traição, vingança, perjúrio, difamação, desejo puro e simples do mal. O medo faz o homem vacilar,  fraquejar. Por outro lado, a força excessiva pode destruir a bondade, porque confunde-se com poder. Na trama pensada por Foucault entre poder e conhecimento, fico imaginando em que interstícios a bondade teria ensejo de acontecer. 

wolves (animação)

antes eu via desenho animado, agora vejo curta de animação

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

bondade

Pensei que a bondade pudesse bastar, mas não bastou. Porque confiar é uma forma de bondade. Li hoje um trecho encantador acerca das possibilidades humanas. Seria preciso desenhar outro mundo, começar tudo de novo, para que a bondade fosse o bastante. De mais a mais, o papel de ventríloquo cansa. 

Garuda (animação)

garuda: ave mitológica do hinduísmo

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

animal arisco

Hoje comentei o significado de arisco. Alguns alunos lembraram do tempero.

inútil

Da inutilidade deste espaço eu bem sei, mas escrever aqui me faz bem. Então não é de todo inútil.

Murilo Mendes

NOVÍSSIMO ORFEU

Vou onde a poesia me chama.

O amor é minha biografia,
Texto de argila e fogo.

Aves contemporâneas
Largam do meu peito
Levando recado aos homens.

O mundo alegórico se esvai,
Fica esta substância de luta
De onde se descortina a eternidade.

A estrela azul familiar
Vira as costas, foi-se embora!
A poesia sopra onde quer.


MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.361.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

swing of change (animação)

Dora Ferreira da Silva

SEM TÍTULO

Se me extremo
temendo o sentimento
pareço ter nenhum

No nada visto o canto
na acesa ascese
dispo o coração

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.73.

onírico

Esta noite me trouxe novas possibilidades em forma de imagens oníricas. Era sonho, mas era palpável, parecia de fato estar vivendo-as. Por que eram possibilidades? Porque não acabavam em frustração, até onde as imagens (e palavras) do sonho não escaparam para aquela região inacessível que se concretiza assim que acordamos. E então, ao pensar em escrever isso, lembrei-me de uma das histórias do livro O mistério do coelho pensante e outros contos, de Clarice Lispector, “Quase de verdade”, história latida pelo cachorro Ulisses que se passa no quintal de uma mulher chamada Oniria. 

China

imagens que fazem hesitar antes de comprar um produto made in china

domingo, 4 de dezembro de 2011

último mês do ano

No dia 1º de dezembro senti qualquer coisa de diferente nas ruas: um pouco mais de rumor e pressa, uma agitação diferente e sutil em processo de aceleração. Percebi o 1º de dezembro no ar, que estava mais denso que de costume. O curioso é que costumo saber o dia da semana, não o do mês – talvez pela pouca familiaridade com os números. Some-se a isso a presença maciça da publicidade que não deixa o cristão esquecer a efeméride, como se de repente uma horda estivesse pronta a se lançar irracionalmente às compras ― é o que a propaganda sugere ―, a par dos primeiros votos de bom final de ano, e a certeza do último mês do ano toma corpo e alma, mais matéria que espírito. Nesta época do ano meu movimento é de desmaterialização.

modest mouse: march into the sea

também aqui, em versão condensada