Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
quarta-feira, 3 de julho de 2013
domingo, 30 de junho de 2013
Verissimo n'O Globo de hoje
ALTERNATIVA
Ao contrário
da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida.
Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto
LUIS FERNANDO VERISSIMO, 30/06/13
Envelhecer é chato, mas consolemo-nos: a
alternativa é pior. Ninguém que eu conheça morreu e voltou para contar como é
estar morto, mas o consenso geral é que existir é muito melhor do que não
existir. Há dúvidas, claro. Muitos acreditam que com a morte se vai desta vida
para outra melhor, inclusive mais barata, além de eterna. Só descobriremos
quando chegarmos lá. Enquanto isto vamos envelhecendo com a dignidade possível,
sem nenhuma vontade de experimentar a alternativa.
Mas há casos em que a alternativa para as coisas
como estão é conhecida. Já passamos pela alternativa e sabemos muito bem como
ela é. Por exemplo: a alternativa de um país sem políticos, ou com políticos
cerceados por um poder mais alto e armado. Tivemos vinte anos desta alternativa
e quem tem saudade dela precisa ser constantemente lembrado de como foi. Não
havia corrupção? Havia, sim, não havia era investigação para valer. Havia
prepotência, havia censura à imprensa, havia a Presidência passando de general
para general sem consulta popular, repressão criminosa à divergência, uma
política econômica subserviente e um “milagre” econômico enganador. Quem viveu
naquele tempo lembra que as ordens do dia nos quartéis eram lidas e divulgadas
como éditos papais para orientar os fiéis sobre o “pensamento militar”, que
decidia nossas vidas.
Ao contrario da morte, de uma ditadura se volta,
preferencialmente com uma lição aprendida. E, se para garantir que a
alternativa não se repita, é preciso cuidar para não desmoralizar demais a
política e os políticos, que seja. Melhor uma democracia imperfeita do que uma
ordem falsa, mas incontestável. Da próxima vez que desesperar dos nossos
políticos, portanto, e que alguma notícia de Brasília lhe enojar, ou você
concluir que o país estaria melhor sem esses dirigentes e representantes que só
representam seus interesses, e seus bolsos, respire fundo e pense na
alternativa.
Sequer pensar que a alternativa seria preferível —
como tem gente pensando — equivale a um suicídio cívico. Para mudar isso aí,
prefira a vida — e o voto.
Iago
“Anda, vai; adeus! Põe dinheiro em tua bolsa.
(sai Rodrigo)
Faço assim de meu bobo minha bolsa.
Seria profanar o que aprendi
Gastar meu tempo com um palerma desses
Senão pra lucro meu; odeio o Mouro,
E dizem por aí que em meus lençóis
Ele fez meu papel; não sei se é certo...
Mas, para mim,
só suspeitar é o mesmo
Que certeza,
no caso. Ele me estima,
O que me facilita abusar dele.”
William Shakespeare. Otelo, o mouro de Veneza. Trad. Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2011, p.39.
Assinar:
Postagens (Atom)